As tendências liberais dentro da Justiça do Trabalho

O Anuário da Justiça no Brasil - ano 2016 - na página 4 - traz EDITORIAL com o seguinte título - E os próximos dez anos, como serão?

“…. Os direitos trabalhistas avançaram tanto que já se registram assimetrias no sentido oposto. A caça virou caçador.  Autoridades, endinheirados e "poderosos" de forma geral veem-se num cenário inédito, onde o ônus da prova está permanentemente invertido.  Neste reino da demagogia, quem faz a acusação mais escalafobética fica com o sucesso.  Em troca do marketing populista, a verdade fica em segundo plano. ..... Descongestionar a Justiça talvez seja o maior desafio da década para evitar o colapso. Entra em fase de teste o pacote de normas para desentupir as vias coronarianas do sistema:   as soluções extrajudiciais, as novas formas de mediação e arbitragem, entre outras. ..."

Extrai-se desse Editorial a preocupação com as posições majoritárias da Judiciário Trabalhista, claro que as protetivas ao trabalhador, em confronto com o poder empresarial (indicados como "endinheirados e poderosos" !?!?), referindo que a inversão do ônus da prova constitui-se flagrante prejuízo, com a pretensão de retirar-se do empregador a obrigação de fazer prova dos fatos impeditivos (derrogando o princípio da aptidão). Não diz, mas se presume que a prova deva ser do empregado na desconstituição das alegações patronais em matéria de processo do trabalho, quando utiliza a expressão "a verdade fica em segundo plano".  Essa afirmação sectária, fruto de quem pratica o abuso, contém agressão aos advogados trabalhistas que, segundo o Editorial, estariam "mentindo" para buscar direitos dos trabalhadores.  Ataca os juízes, principalmente os de primeiro grau, que supostamente aceitariam as assertivas da ação-reclamatória, que não estariam buscando a verdade, julgando apenas com base no princípio do ônus da prova.

A seguir, face a isso, sugere que se deva buscar soluções extrajudiciais que, como se sabe, coloca as partes em situação de inferioridade, onde o reclamante (requerente) está longe da proteção do seu advogado, do seu Sindicato, sem a proteção da lei, sem a presença de um juiz (verdadeiro), com a pressão econômica (necessidade) abrindo mão da maior parte dos seus direitos, com um único objetivo: desafogar o judiciário.

Nessa mesma Revista, há matéria sobre o atual Presidente do Tribunal Superior do Trabalho - TST - que se resume:

"Trata-se de um ministro de posições bastante liberais e avançadas em matéria trabalhista, que destoam do tom conservador e cauteloso que predomina na corte.   .....  Ao fazer um diagnóstico da situação atual da Justiça do Trabalho e das dificuldades enfrentadas... aponta .... o desprestigio dos métodos alternativos de composição dos conflitos sociais."... Segue nessa mesma linha, referindo que se deva valorizar a negociação coletiva, prestigiando as soluções que tornem mais célere e objetivo o processo.  Refere a matéria que as entidades sindicais devem entender-se para um "entendimento nacional" que ajudem o pais a sair da crise econômica....

Claramente, o que se vê, são propostas tendentes a fragilização dos direitos trabalhistas, denotadamente pela figura da flexibilização, terceirização e uma atenção especial a atuação dos juízes do trabalho (quando trata da prova...) e, se possível, que os conflitos sejam solucionados pela mediação.  Na coluna Entendimento Juridico, na mesma Revista, questionado como avalia o debate sobre a terceirização, diz que é um fenômeno econômico global e irreversível, não sendo possível voltarmos a uma empresa totalmente vertical, com todos trabalhadores contratados diretamente.   Nessa frase está clara a fragilização da atividade sindical representativa da categoria dos trabalhadores, a meu juízo, o maior prejuízo da "terceirização".  Cotidianamente, fizemos o enfrentamento de questões que envolvem o enquadramento sindical, pois empresas se intitulam como prestadoras de serviço, mas exercem atividades tipicamente bancárias ou financiarias.  O esforço processual para provar a finalidade econômica dessas prestadoras, que abusam do Judiciário, negando sistematicamente que atuam com financiamentos, empréstimos, consórcios, com a finalidade de fortalecer a atividade sindical, farão com que se permita (a prevalecer a possibilidade de qualquer atividade - meio ou fim) que se crie Sindicatos nanicos, sem representatividade, fracos, sem atuação efetiva. Cito um exemplo: a jornada do bancário de seis horas, conquistada arduamente, cairá diante da nova empresa prestadora de serviços a banco comercial ou financeira. O mestre Márcio Túlio Viana sintetiza:
                                       
"Esse fenômeno, como se sabe, é a presença de um intermediário na relação entre o trabalhador e a empresa que lhe aproveita a força-trabalho. O que esse intermediário quer não é a mesma coisa que o empresário quer.  Ele não utiliza a força-trabalho para produzir bens ou serviços. Não se serve dela como valor de uso, mas como valor de troca. Não a consome: subloca-a.”

                             
Posições, como a do Ministro Walmir Oliveira da Costa, do TST - pág. 259, da mesma Revista, já indicam a possibilidade de criação de vários Sindicatos:

"O sistema sindical brasileiro comporta a livre possibilidade de dissociação e de desmembramento das categorias, e tais situações não implicam desrespeito ao princípio da unicidade sindical, nem afrontam a Constituição Federal..."

No mesmo Anuário, encontramos a lucidez, relativizada:

"Sou contrário à terceirização na atividade-fim, porque temos a Súmula 331 do TST.  A Súmula é a consolidação de repetidas decisões e nós devemos observá-la para dar segurança jurídica.  Seria muito estranho que ministros do TST, enquanto em vigor a súmula, passassem a deixar de aplicá-la sem que houvesse uma lei regulamentando a terceirização.  Agora, a regulamentação está nas mãos do Congresso Nacional."

A obra Terceirização no STF - Elementos do debate constitucional - organizada por Wilson Ramos Filho, José Eymard Loguércio e Mauro Menezes - pág. 239, conclui:

"101 - O processo de terceirização, já no seu estágio atual, interfere nas negociações coletivas e no sistema de representação.  Sua expansão pata atingir a finalidade-fim da empresa, levará à total e absoluta pulverização do sistema sindical. Mais do que isso. Levará ao rompimento da nucleação por categoria profissional e econômica uma vez que não se poderá estabelecer natureza preponderante da atividade econômica."

A rendição está pré-anunciada.  Vindo a lei, os ministros legalistas se submeterão.   Daí a importância de nossa luta com essa alteração, prejudicial, que ainda afasta a responsabilidade solidária (e subsidiária).  Pudesse vingar, que se admita a responsabilidade, que se module os efeitos dessa nova lei, que se proteja o conceito de categoria para fortalecimento dos Sindicatos.

Antonio Carlos S. Maineri
CCM Advogados